segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O homem do bigode espesso e do chapéu escarlate

O parque é um bom lugar para se dar uma volta. Respirar fundo. Não sou uma pessoa de hábitos sociáveis - Meus poucos amigos me consideram muito recluso e brincam com o fato de minha vida social ser pouco movimentada. Mas de vez em quando, aprecio prazeres simples da vida, como uma caminhada pelo centro da cidade ou um fim de tarde observando o litoral. Nunca gostei de frequentar praias socialmente, mas sou apaixonado pelo modo com que as ondas delineiam e quebram-se nas rochas e na areia, todo esse cenário recortado pela serenidade transmitida por um céu cinzento, característico de dias nublados.

Mas nesse dia, em especial, estava no parque da cidade. Não via o parque desde que eu era bem moço, mas lembrava claramente de suas características: As cercas metálicas pintadas de verde-escuro, as árvores de todos os tipos, o cheiro de terra molhada, as fontes jorrando água cristalina, o cheiro de pipoca e o barulho das crianças brincando. Aquele parque não havia mudado nada em anos. Acho que algumas áreas mais tradicionais de cidades não tão grandes tem essa magia. Conseguem reter memórias. Como se a infância fosse uma caneta tinteiro, e os parques fossem folhas de papel creme que retém nossos anos de alvorada e os mantém em forma de um poema, que está lá para ser apreciado de tempos em tempos.

Caminho preguiçosamente naquela tarde quente de verão enquanto vejo os raios de sol transpassarem entre as folhas, mãos nos bolsos, a cabeça erguida, um sorriso jovial emoldurado no rosto e os pés se sentindo maravilhados em pisar naquele chão terroso e fofo. Aproximo-me então de um pequeno branco, como aqueles de praça, aonde vejo uma figura singular.

Tratava-se de um senhor, que devia estar na segunda metade de seus cinquenta anos. Trajava um terno bege de feltro, sapatos muito gastos e, sobre o colo, um chapéu escarlate de abas largas, que pendiam sobre suas pernas. Seu cabelo, que aparentava já ter sido castanho, agora era ralo no topo da cabeça, e tinha um bigode muito bem aparado e castanho como os pelos de um cavalo bem cuidado. Segurava um pão com uma mão, e, com a outra, destacava alguns pedaços do mesmo e lançava-os ao chão, onde eram muito bem recebidos por um pequeno grupo de pombos.

- Boa tarde. - Cumprimentei-o quando sentei-me ao seu lado. Ele acenou com a cabeça, demonstrando que reconhecera minha chegada. Mas não respondeu.

- Sabe - Comecei, tentando puxar assunto - nasci e fui criado nesta cidade. Aqui vi meus melhores amigos partirem para a capital em busca de trabalho. Vi inúmeros almoços de família e situações excepcionais. Mas acho que todos que já viveram por certo período de tempo aqui têm alguma história para contar que é ambientada neste mesmíssimo parque.

O senhor do chapéu escarlate levantou seus olhos, cinzentos, porém escuros e profundos, como o mar em um dia de tempestade, do chão. Virou seu rosto para mim, mas os olhos agora apontavam para o céu. Um sorriso discreto estampou, levemente, o canto de seus lábios e ele soltou uma risadinha.

- Verdade. - Concordou ele, com um suspiro. - Minha esposa adorava esse parque. Foi aqui que nos conhecemos.

Olhei para o chapéu e depois para o semblante nostálgico de meu interlocutor, e logo fiquei com os olhos marejados.

- Locais assim podem ser mágicos. - Falei, dando-lhe alguns amigáveis tapinhas nas costas. Levantei-me.

- Espero que um dia eu também tenha a sorte de vivenciar uma situação tão extraordinária em um lugar excepcional como esse.

Ele demorou alguns segundos antes de responder.

- Não é isso que todos queremos?

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