segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Garis, garis piratas, catadores

Dois jovens de 17 anos conversam em um restaurante.

- Deus, finalmente o ano letivo vai acabar.

- Ah, sim. Não aguento mais.

- Formatura, então?

- Sei não, cara. Tô com merda até o pescoço. Provavelmente vou ficar de recuperação numas quatro matérias.

- Acho que vou ficar numas três ou quatro também.

- Eu não entendo física há uns dois anos. Pra falar a verdade, nem sei como passei ano passado.

- Acho que o professor teve pena de ti.

- Provavelmente o professor teve pena de mim.

- Há quanto tempo estamos na escola?

- Se você fizer a conta... uns dez, onze anos?

- Onze? Não são doze?

- A alfabetização não conta.

- Claro que conta!

- Pelo amor de deus, na alfabetização a gente só colore o mapa no Brasil e aprende a ter uma caligrafia decente.

- Tá, você tem razão.

- Isso não tá certo, cara. Passamos toda nossas vidas encarcerados na escola.

- Não se preocupa com isso, Leo. Depois ainda tem mais uns anos de faculdade, algumas décadas de trabalho, e, quando finalmente tiver uma folga permanente, você vai ser velho demais pra poder aproveitar a vida.

- Wow... meio deprimente, se você parar pra pensar.

- Você acha?

- Eu acho. Por mim eu largava os estudos e ia, sei lá, pintar quadros na praia, ou qualquer uma dessas coisas que lhe dá uma liberdade maior. Mas minha mãe iria me matar.

- É, e você provavelmente estaria com fome e dormindo em uma caixa de papelão na rua após um mês.

- Ugh. Isso é o que eu odeio na escola. É tão essencial. Você não pode fazer nada na vida se não tiver um pedaço de papel dizendo que você sabe fazer bháskara. As vezes a vontade é largar tudo e ir ser gari.

- Você precisa ter ensino médio completo pra ser gari.

- Que?

- É sério.

- Cê acabou de inventar isso.

- Não inventei, não. Pega o celular e procura aí.

- Isso não faz sentido nenhum.

- Por que não faz?

- Pra que eu teria que saber bháskara sendo um gari?!

- Eu não sei. Mas isso é lei.

- Aff. Aposto que essa é uma daquelas leis que ninguém respeita.

- Claro que respeitam. Garis são funcionários públicos. Eles literalmente trabalham pro governo. Não dá pra burlar.

- Sim, mas nem todo gari é registrado.

- Que?

- Você sabe, os garis piratas. Aqueles que passam na praia com sacos de plástico, catando as latinhas na areia.

- Eles não são garis, são catadores.

- "Catador" é só de lixo.

- E o que eles tão fazendo?

- Não deixam de estar catando lixo, mas a nomenclatura é diferente. Você me entende. Catadores são tipo aqueles caras que estão prestando serviços comunitários.

- E o que difere ele de um gari?

- O gari ganha um salário.

- Mas os dois estão fazendo exatamente a mesma coisa. O que não pode se dizer dos caras na praia, que catam somente latas e garrafas.

- Olha, eu me perdi no assunto.

- Deixa pra lá. Olha, tua torta tá chegando.

- Ah, finalmente.

- Nossa, cê vai comer tudo isso de sobremesa?

- Que foi? Tô com fome. Ah, a conta veio junto.

- Vamos rachar?

- Pode ser. Mas deixa eu comer a torta primeiro. Depois vemos isso com calma.

Um comentário:

  1. Só gostaria de dizer que ljksdffdshjlsfdlkjhgsdjhgjsdklfhgsdjhgjskd
    Mó legal esse texto

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