segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Óculos escuros

Eram três da manhã em uma pequena cidade portuária que o mundo esqueceu. Em um pequeno e mal-iluminado bar, no centro da cidade, um homem por volta dos 60, 65 anos cantava Don't Stop Believin' numa máquina de karaoke.

Em uma mesinha nos fundos, um homem mais jovem assistia tudo preguiçosamente, brincando com seu copo de chá gelado.

- Just a small town girl... - Cantava o homem mais velho, a voz embriagada. Uma versão instrumental da música saia pelos auto-falantes da máquina, para ritmar a cantoria. Legendas amarelas, com letrinhas dançantes, mostravam a letra da música.

O homem da mesa ao fundo tomou um gole de seu chá gelado. (Que, nessa altura, poderia ser chamado apenas de "chá") Olhou de relance para o velho cantando. Quando seu campo de visão voltou para sua mesa, onde ele estava inicialmente sozinho, um outro homem estava sentado ao seu lado. Ele não o viu chegando ali.

O homem misterioso usava óculos escuros, apesar de ser noite e eles estarem em um ambiente interno. Para o homem do chá gelado, apenas dois tipos de pessoas usariam óculos escuros nessas condições: cegos e criminosos. O desconhecido trazia seu cabelo preto penteado cuidadosamente para trás, provavelmente com algum tipo de brilhantina, e vestia um terno preto, como qualquer assaltante clichê de filmes de assalto à banco.

- Até que ele não está tão mal. - Disse o desconhecido. - Mas você precisava ver uma moça que eu conhecia cantando Space Oddity. Isso foi na Islândia, eu acho. Ou Groelândia. Dois países que eu nunca mais pretendo visitar.

O homem do chá gelado olhou para o estranho por alguns segundos, sem saber ao certo o que fazer ou dizer.

- Eu acho que não nos conhecemos. - Disse, por fim.

- Não mesmo. - Admitiu o outro. - Nomes. Não são minha praia. Mas pode me chamar de... hm... Tom. Eu gosto de Tom. Tom soa bem. Como em "Major Tom".

E estendeu sua mão.

- Eu sou Dave. - Apresentou-se o homem do chá gelado, apertando a mão de "Tom". - Eu não quero ser mal educado, mas... o que você está fazendo na minha mesa?

Dave era um cara grande. A maioria das pessoas, de vista, diria que ele é durão, pelo fato dele ser meio parecido com gente como o Jason Statham. Mas ele, na verdade, era um cara bem pacato. E estava meio embasbacado com a situação, algo notado por Tom.

- Ah, não se importe comigo. - Falou Tom, em um tom displicente. - Eu faço isso as vezes. Entro em bares, sento na mesa de um desconhecido e converso um pouco com ele.

Dave ergueu uma sobrancelha. Uma garçonete passou pela mesa.

- Com licença. - Solicitou Tom. - Eu gostaria da cerveja mais cara da casa. E um chá gelado para o cavalheiro.

A garçonete anotou e desapareceu no bar mal iluminado.

Dave abriu a boca, erguendo o indicador.

- Não esquenta. - Falou Tom, como se pudesse ler o pensamento do outro. - Eu pago.

- Obrigado. - Murmurou Dave, que já havia desistido de discutir.

- Don't stop, believin'... hold on to that feeeeeeeling... - Cantava o velho na máquina de karaoke.

- O que você faz da vida, Dave? - Perguntou Tom.

- Eu realmente não sei se deveria confiar em você. - Admitiu Dave, sincero.

- Eu pareço o tipo de pessoa que não é confiável? - Perguntou Tom.

- Pra ser sincero, sim. - Admitiu o outro. A garçonete deixou sobre a mesa uma lata de chá gelado, um copo com gelo e uma garrafa verde de cerveja.

- Ah, o que é? O terno? Os óculos escuros? - Indagou o outro.

- Os óculos escuros. - Admitiu Dave. - Quer dizer, óculos escuros de noite? Você é cego?

- Não. - Respondeu Tom, secamente. Então, tirou os óculos escuros. Com os dedos, fechou as pernas, e pendurou-o na gola da camisa.

Dave olhou por alguns segundos. Ele havia captado a mensagem, algo que foi facilmente percebido pelo outro, que casualmente colocou os óculos escuros de volta no rosto.

- O que você faz da vida, Dave? - Perguntou Tom, novamente.

- Eu, eu... - Gaguejou ele. - Sou taxista.

Tom ergueu a sobrancelha.

- Você não deveria estar na rua?

- Eu não sou aqueles taxistas de rua. - Explicou Tom. - Eu sou, tipo, aqueles caras que a companhia chama quando tem uma família grande com muitas malas chegando de viagem. Eu dirijo um carro grande.

- Entendi. - Disse Tom. - É um bom emprego. Eu gosto de dirigir. O rádio do meu carro está com um problema, e isso é uma merda. Mas tirando isso, o veículo continua ótimo.

Dave assentiu com a cabeça, enquanto observava o velho do karaoke, que já cantava outra música: algo que se parecia com Dancing Queen, porém era difícil ter certeza. A voz do velho estava embriagada demais.

O velho tropeçou no próprio pé e caiu no chão. Alguém o arrastou para longe da máquina de karaoke, e outra pessoa eventualmente assumiu seu lugar na máquina, selecionando uma música diferente. Tratava-se de uma jovem mulher, com cabelos muito castanhos presos em um rabo de cavalo ligeiramente complicado.

Tom terminou sua cerveja. Ele puxou algo do bolso: sua carteira. De lá, puxou algumas notas de cinquenta e deixou na mesa.

- Aqui. - Disse ele. - Isso deve pagar pela cerveja e pelo chá gelado. E tem um pouco mais, eu acho. Compre alguma coisa legal.

Dito isso, levantou-se, saiu pela porta do bar e desapareceu.

Dave então reparou no refrão da música que a mulher de cabelos castanhos cantava: "I wear my sunglasses at night..."

Dave nunca mais viu Tom, e nunca mais pediu para outra pessoa tirar seus óculos escuros.